No filme “O Leopardo”, obra-prima de Luchino Visconti baseada no livro homônimo do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o príncipe da Sicília, Dom Fabrizio Salina (interpretado por Burt Lancaster) ouve de seu jovem sobrinho Tancredi Falconeri (Alain Delon) a célebre frase "Algo deve mudar para que tudo permaneça como está" para explicar porque ele, também um nobre, participava das revoltas comandadas por Garibaldi contra a aristocracia com o intuito de unificar os inúmeros reinos da Itália na formação de uma república (era o período conhecido por Risorgimento, o conturbado processo de unificação italiana no final do século XIX). A frase se referia a aceitar mudanças e a defender ações que transformavam o cenário político e social, cedendo espaço à burguesia que ascendia em busca de reconhecimento e aceitação, impulsionada pelo poder do dinheiro. À aristocracia decadente, restava dividir seu poder para garantir sua própria existência e a manutenção dos muitos privilégios.
A frase de Tancredi se encaixa perfeitamente em vários outros contextos. Nas muitas vezes em que pensamos em operar mudanças e transformações em nós e em nossa vida, por exemplo. O que imaginamos, de verdade, quando pensamos na necessidade de nos transformar para melhorar? Como é ser uma pessoa melhor? Estamos realmente dispostos a abrir mão da vida que temos a fim de nos tornarmos seres humanos mais bem acabados ou apenas pensamos em nos ajeitar melhor, cuidando somente de nossa própria condição material e mantendo o mesmo comportamento de sempre?
Cada um traz na mente a sua ideia do que seja evoluir e onde ou no que precisaria melhorar. Ao longo da História a humanidade viveu inúmeras transformações, no comportamento, nas ideias, na tecnologia... Mas, do ponto de vista moral, muitas vezes a sensação é de que mal saímos do lugar. A referência aqui não é uma moral de época, de regras específicas de uma sociedade, mas os valores inerentes ao ser humano independentemente do momento ou tempo em que ele viva. Valores que norteiam, relacionados ao respeito e ao amor que dedica aos demais seres, acima de qualquer outra coisa.
Uma transformação sincera muda nosso olhar sobre as coisas e as pessoas, sobre o que verdadeiramente importa e deve ser buscado em lugar daquilo que satisfaz apenas ao nosso ego. Implica em ter coragem para enxergar todos os seus defeitos, erros e se perdoar por tudo isso. E perdoar os erros e defeitos dos demais, mesmo que tenhamos sido prejudicados diretamente por eles. Melhorar pode significar abandonar certos desejos e ilusões que fabricamos em nossa mente, que servem somente para amenizar a frustração e sofrimento diante das dificuldades colocadas pela verdadeira existência.
Melhorar para realmente transformar, a nós e aos outros que nos rodeiam. Para passarmos a enxergar e considerar qualquer pessoa não como um adversário, um concorrente (quando não inimigo), mas como parte de nós mesmos. Quando estamos bem, temos a capacidade de deixar outros igualmente bem. Esse é o fim em si, todos ficarmos bem, todos brilharmos intensamente e vibrarmos em altas frequências. A vida material tem importância, o dinheiro é necessário, mas nada significará se nossa intenção for apenas a de acumular e ter mais que os outros. A grande transformação pela qual todos precisamos passar é a do amor incondicional por todos os outros seres vivos do planeta. Somos seres de luz, feitos para brilhar e acender o brilho no outro.
O russo Maiakóvski, em seu poema “A extraordinária aventura vivida por Vladimir Maiakóvski no verão na Datcha”, resumiu aquilo que somos (ou deveríamos ser):
“Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno.
Gente é pra brilhar
que tudo mais vá para o inferno.
Este é o meu slogan
e o do sol.”
O caminho da transformação é um caminho longo e repleto de superações. O quanto antes nos pusermos a percorrê-lo, mais iluminada se tornará nossa jornada e mais rapidamente poderemos ser os faróis a guiar na estrada os muitos outros que hoje ainda não se deram conta que também são luz.
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Foto: Hakon Grimstad - Unsplash
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